Com estratégia e persistência, indústrias tentam superar impactos negativos da covid-19
Por Ana Rita Chagas e Thays Schneider /Diário Digital
As máquinas não pararam, mas tiveram que desacelerar. Assim como boa parte do setor industrial de Mato Grosso do Sul, o segmento vestuário se viu às voltas de incertezas quando a pandemia causada pelo novo coronavírus assolou o mundo e disparou a contaminação no Brasil.
O que era para ser a concretização de um início de ano promissor, desaguou em demissão e queda de produção. “Foi tudo repentino. No mês de março de 2020, nós estávamos batendo recorde de faturamento e produção. Uma recuperação extraordinária, porque a gente não vinha de um cenário econômico muito bom, e do nada isso se reverteu. O que era lucro zerou e virou prejuízo. O que estava em trânsito, com entrega para clientes voltou”, lembra o coordenador de Recursos Humanos da Cativa Confecção, Cleber Ghizzi.
De acordo com levantamento feito, à época, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 2020, ao menos 91% da indústria brasileira apresentou impactos negativos por causa da pandemia da covid-19. Conforme a CNI, 76% das empresas industriais reduziram ou paralisaram a produção.
“O primeiro impacto foi estrutural. A gente teve de gastar um certo tempo em investimento para atender ao máximo a exigência de distanciamento. E o segundo impacto foi o de orientação, tanto no uso de máscaras, refeitórios, quanto na adaptação das pessoas para trabalhar nesse novo modelo. E Infelizmente houve demissões. A pandemia iniciou em 23 de março, e nós a princípio negociamos com o sindicato, para que pudéssemos dar férias coletivas no primeiro momento. Depois disso, vieram os programas do governo federal de redução de jornada e salário. A gente se enquadrou também, para funcionar com a capacidade mínima possível”, explica.
Com a retração nas atividades, a insegurança foi latente. “Eu tive medo de ser mandada embora, porque querendo ou não, teve corte né?!”, disse Amanda Oliveira do Nascimento, que há cinco anos executa a função de costureira na empresa.
Após ter de enfrentar a doença causada pelo novo coronavírus, o supervisor de produção, Bruno Santos, manteve-se atento a qualquer sinal de mal-estar entre os colaboradores do setor. “Desde o começo da pandemia tivemos casos [contaminação do vírus], porque há uma circulação muito grande de funcionários, mas nós sempre adotamos todos os protocolos. Fechamos um convênio com o Sesi para realizarmos os exames com mais agilidade, e suporte. Temos um médico do trabalho todos os dias aqui. Desde o início da pandemia, ele presta o atendimento básico, como por exemplo se uma pessoa está com algum sintoma leve, ele sabe identificar e encaminhar a pessoa para o exame. Ele consegue nos direcionar melhor. Nesse sentido também contamos a ajuda da Fiems”, comenta.
Ajustes – Para prosseguir com as atividades, Cleber Ghizzi ressalta que foram necessárias algumas adequações. “A empresa entrou num processo de recuperação judicial para poder travar a questão de juros bancários, e se reorganizar. Hoje, digo que funcionou muito bem. Estamos conseguindo nos levantar. Estamos contratando, com um pouco mais de dificuldade do que antes da pandemia, porque muitas pessoas que estavam nessa área passaram para outras áreas”, disse.
Imunidade e sanitização – No mercado de couro em Mato Grosso do Sul, a Berseba Indústria e Comércio de Couros contornou a avalanche causada pela pandemia indo além dos protocolos de biossegurança. Investir na alimentação dos colaboradores foi um dos principais artifícios que a empresa lançou mão para enfrentar a maior crise sanitária da história. “Fizemos a suplementação de zinco na alimentação dos colaboradores, suco de abacaxi com gengibre. Tudo que é natural, e que é bom para a saúde, nós pensamos em passar para os colaboradores, e para suas famílias também. É algo natural, não é nada contraindicado”, declara o engenheiro ambiental, Auro Alves da Silva Junior.
“Nós pensamos primeiramente na segurança da população, e na dos nossos colaboradores. Utilizamos todos os EPIs [equipamentos de proteção individuais] corretamente. Tentamos fazer a sanitização de modo correto para que nós pudéssemos combater o vírus, e pelo menos minimizar o efeito do vírus”, acrescenta.
Mesmo em meio a queda na produção de curtume, a empresa não optou pelo desligamento de funcionários. “Nós trabalhamos com 90 pessoas. A nossa empresa não precisou demitir ninguém na pandemia. A produção caiu em média 70%. Hoje nós trabalhamos com 40% da produção no estado, mas mesmo assim, não demitimos ninguém. A gente continua fazendo o trabalho de biossegurança”, informa o gerente de produção, João Alves de Morais.
Segundo o gerente de produção, o esforço garantiu a continuidade de comercialização do produto. “Nós fomos a primeira empresa em Mato Groso do Sul a implantar a biossegurança”, disse afirmando que empresa recebeu a certificação Gold Rated – Audited Against LWG, que autoriza as exportações.
“Continuamos com o uso de máscara, álcool em gel, sanitização. A gente distribui todos os dias vitamina D para os funcionários. Pagamos para todos fazerem os exames. A gente cuidou muito dos funcionários. Tivemos dois casos praticamente leves [de covid-19]. A gente sempre apoiou as famílias, dando produtos para limpar a casa dos colaboradores. Fizemos de tudo e ainda estamos fazendo, porque a pandemia não acabou. São essas as nossas ações, vitamina D todos os dias, suco de abacaxi com gengibre. Pagamos um médico para fazer palestra. A nossa empresa é exemplo em Mato Grosso do Sul. Eu trabalho aqui há 37 anos”, orgulha-se Morais.
Setor sucroalcooleiro – Nos municípios de Costa Rica, Rio Brilhante e Nova Alvorada do Sul estão localizadas as unidades da Atvos – empresa que produz e comercializa etanol, açúcar VHP e energia elétrica por meio da cana-de-açúcar e da biomassa. A unidade agroindustrial de Santa Luzia, localizada em Nova Alvorada do Sul – distante a 117 km de Campo Grande -, realizou, no início de setembro, a doação de 1.000 litros de álcool 70% ao Fundo Municipal de Saúde. O produto foi entregue para o Hospital Municipal Francisca Ortega, de Nova Alvorada do Sul (MS). A iniciativa integra uma das ações da empresa no combate à pandemia.
As unidades da Atvos enchem containers com capacidade de armazenamento de 1.000 litros, que são levados para serem doados aos Fundos Municipais de Saúde. São essas entidades que fazem o direcionamento do produto (para hospitais, escolas etc.). A prioridade da empresa é a doação para entidades de saúde que atendam as comunidades do entorno das suas usinas. O álcool 70% nada mais é do que o Etanol misturado com água. “Com a crise gerada pela pandemia em todo o mundo, sendo ainda mais intensa em cidades do interior com menores estruturas, ficou muito claro para nós, por todo o nosso compromisso com as populações do entorno de nossas unidades, que deveríamos entrar nesse combate à proliferação da doença. Especialmente pelo fato da matéria-prima do álcool 70% ser uma das principais armas para prevenção o coronavírus”, explica o diretor da Atvos, Marcelo Annes.
“Nos mobilizamos em tempo recorde – no sentido de nos organizarmos operacional, administrativo, jurídico e financeiramente – para que pudéssemos produzir e doar o álcool 70% para os fundos municipais de saúde, que fazem a distribuição conforme a necessidade da região, focando em hospitais, escolas, delegacias, postos de atendimento ao público em geral, entre outros”, enfatiza. Segundo Annes, em 2020 foram doados 160 mil litros de álcool 70%. De acordo com o diretor, o álcool 70% não constava no portfólio de produtos da empresa.
Do início de 2021 até o momento, mais de 250 mil pessoas foram beneficiadas com a doação de 14.800 litros às entidades de saúde dos municípios de atuação da Atvos. “O álcool 70% é um item de grande importância na luta contra doenças. Faz parte do dia a dia do profissional de saúde a higienização das mãos com o produto, praticamente o tempo inteiro. Aqui no hospital, a assepsia já era importante, com a pandemia, se tornou crucial, ressalta a diretora do Hospital Municipal Francisca Ortega, de Nova Alvorada do Sul, Aline Mesquita Pereira Corrêa.
“Com a escassez do produto, ficamos desesperados. Não conseguíamos comprar o álcool 70% porque os nossos fornecedores acabavam desistindo da entrega por conta do valor que eles encontravam. O Hospital Municipal, assim como outros órgãos públicos, trabalha com licitação e os fornecedores não conseguiam entregar o produto para nós no valor do pregão. Ficava humanamente inviável para eles. Alguns ainda conseguiam entregar um pouco. Mas, depois, já não conseguiam mais assumir o compromisso”, detalha.
De acordo com Marcelo Annes, em 2020, 47.500 litros do produto foram doados para entidades como secretarias e fundos municipais de saúde das cidades de Nova Alvorada do Sul, Deodápolis, Costa Rica, Glória de Dourados, Alcinópolis, Dourados, Rio Brilhante, além de outras instituições de MS. A iniciativa beneficiou cerca de 660 mil pessoas no Mato Grosso do Sul.
O infográfico acima mostra os dados consolidados a partir da última safra 2020/20201 do setor sucroenergético. As informações foram cedidas pela Associação dos Produtores de Bioenergia de MS (Biosul)
Indústria pela vida – Um movimento preciso auxiliou o setor industrial de Mato Grosso do Sul no enfrentamento da pandemia. A realização de testes para diagnóstico da covid-19 em Campo Grande, um dos municípios com maior incidência do vírus no Estado está entre as iniciativas.
Foram disponibilizados 10 mil exames, por meio de drive-thru. Outra ação de destaque foi a imunização ocorrida no espaço cedido pela Fiems, no Centro de Convenções Albano Franco, na Capital, que contribuiu para ampliar a cobertura vacinal no município.
Conforme a Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande, entre os dias 7 de abril e 9 de setembro, foram aplicadas 117,2 mil doses de vacina no local. “Foi uma ação positiva e, para nós o importante é que a estrutura deu certo e os resultados foram positivos. Entendemos que precisamos continuar apoiando a vacinação, seguindo os protocolos de biossegurança nas empresas”, disse o presidente da Fiems, Sérgio Longen. “A retomada da economia é importante, mas acima de tudo precisamos manter os cuidados necessários para que essa crise não volte no Brasil e no mundo”, acrescenta presidente da Fiems.