Entre grandes corporações, opções como etanol de segunda geração, biogás e até biologia sintética vêm sendo observadas com cada vez mais atenção, em detrimento de novas expansões significativas de produção de açúcar ou etanol de primeira geração
Publicado em 14/06/2022 às 09h04
Após dois anos de preços elevados de açúcar e etanol, as empresas do setor têm considerado investir em outras rotas de produção para ingressar em um novo ciclo de crescimento. Entre grandes corporações, opções como etanol de segunda geração, biogás e até biologia sintética vêm sendo observadas com cada vez mais atenção, em detrimento de novas expansões significativas de produção de açúcar ou etanol de primeira geração.
A Raízen, joint venture entre Cosan e Shell e líder nos mercados de açúcar e etanol, tem sido o maior exemplo dessa tendência. Um ano após seu IPO, em que prometeu crescer em diferentes tipos de energias renováveis, a companhia já colocou em ação investimentos em três novas plantas de etanol de segunda geração (E2G), a R$ 1 bilhão cada, além de aportes em unidades de biogás e biometano.
A razão por trás da aposta na diversificação está no potencial de aproveitamento da cana-de-açúcar como insumo para a transição energética em diversas indústrias, além de ela ser caminho para um crescimento que não exige expansão territorial.
“Podemos aumentar a produção em 50% sem mais área agrícola”, disse Francis Queen, vice-presidente executivo de etanol, açúcar e bioenergia da Raízen, em participação em um debate no Simpósio de Bioenergia de Mato Grosso do Sul, organizado pela União Nacional da Bioenergia (Udop) na última sexta-feira.
Com a combinação de apostas em etanol celulósico e biogás, a companhia consegue utilizar resíduos tanto da produção do etanol de primeira geração como do E2G para obter a vinhaça e a torta de filtro, que alimentam biodigestores para a produção do biogás e biometano. Além disso, também é possível utilizar os resíduos como fertilizante nas lavouras.
Segunda maior processadora de cana do país, a BP Bunge Bioenergia – também uma joint venture entre uma petroleira, a BP, e uma companhia de origem agrícola, a Bunge – definiu como um de seus pilares estratégicos de crescimento o uso dos resíduos da produção e de agentes biológicos para melhorar a produtividade agrícola.
Em debate no simpósio sul-mato-grossense, Geovane Consul, CEO da companhia, ressaltou que é possível potencializar elementos que já existem na terra, como fósforo e nitrogênio, por meio da aplicação de agentes biológicos. Essa prática pode tanto aumentar a produtividade como ainda reduzir a pegada de carbono. “Já há indícios bem claros de que é um caminho sem volta”, afirmou.
Ele disse que acredita no potencial do E2G e do biogás e que a construção de unidades de biometano anexas às usinas de cana “será um padrão em breve” – assim como foi, nas últimas duas décadas, a construção anexa de unidades de cogeração de energia a partir do bagaço da cana. Consul não revelou, porém, se a BP Bunge Bioenergia tem planos atuais para investir nessas duas rotas no curto prazo.
Em sua visão, outra opção de diversificação para as usinas é a do “bloco químico”, que pode utilizar o etanol como insumos para a produção, por exemplo de plásticos renováveis. Embora essa alternativa não seja exatamente uma novidade – a Braskem já utiliza essa rota para a produção de plástico verde desde 2010 -, novas iniciativas buscando usar a cana como matéria-prima para a indústria química vêm ganhando corpo, como é o caso da Amyris, que desenvolveu leveduras transgênicas para a transformação da sacarose da planta.
“O etanol tem a segunda maior razão de hidrogênio e carbono de todos os componentes no universo. É um potencial enorme de substituição de matériasprimas fósseis”, defendeu Consul.
A opção, também conhecida como “biologia sintética”, tem atraído a curiosidade de Gustavo Alvarez, CEO da Atvos. Por enquanto, porém, a companhia, que na safra passada alcançou a terceira maior moagem de cana do setor, ainda está buscando recuperar a produtividade de seus canaviais.
Mesmo assim, o executivo avalia com bons olhos as opções de diversificação. “[A escolha da alternativa] depende de cada usina. Cada uma tem seu apelo comercial. Fazer biometano para reduzir o consumo de diesel parece fazer muito sentido”, avaliou Alvarez durante debate no simpósio. Outro mercado que ele vê como de bom potencial é o de carbono, embora os volumes nos mercados voluntários e regulados ainda sejam pequenos, observou.
Uma companhia que também vem aparecendo como ponta de lança em iniciativas de diversificação é a Adecoagro. A empresa já aplica vinhaça localizada em seus canaviais, o que a tornou autossuficiente em adubos potássicos, disse Renato Junqueira, diretor de operações de açúcar e etanol da companhia, também no simpósio.
Agora, antes de a vinhaça ir para as lavouras, ela passa por biodigestores e gera biogás, que por sua vez vem sendo utilizado como fonte quente para economizar vapor na usina e ainda gerar e exportar energia elétrica. Com a geração de energia a partir do biogás, a companhia também já conseguiu vender Gas-Rec, um certificado comercializado no mercado voluntário.
A próxima etapa de uso do resíduo na Adecoagro, que começará a partir de agora, será a transformação do biogás em biometano. Os equipamentos para esse processo saíram da Argentina na semana passada e, assim que instalados, vão permitir a compressão do biometano, para ser usado na frota de máquinas agrícolas em substituição ao diesel. A Adecoagro já converteu os motores de 13 veículos, que estão prontos para usar o novo combustível renovável.
Segundo Junqueira, quando a companhia conseguir utilizar toda a vinhaça de suas duas usinas de Mato Grosso do Sul para a produção em biometano, ela deverá economizar cerca de R$ 50 milhões ao ano em consumo de diesel, e ainda conseguirá vender 110 mil Créditos de Descarbonização (CBios) a mais como efeito da melhora da pegada de carbono de seu etanol.
Fonte: Valor Econômico
Texto extraído do boletim SCA