Por Arnaldo Jardim / Publicado originalmente no Fórum CNN
Com a aprovação do PL 4516/23, do Combustível do Futuro, que tive a honra de relatar, o percentual obrigatório de adição de etanol à gasolina poderá chegar a 35%.
Não é de hoje que o Brasil utiliza o etanol como combustível. Na década de 1920, por exemplo, um carburante conhecido como Azulina – 85% de etanol e 25% de éter-, chegou a vender 450 mil litros por ano na região Nordeste. Uma década depois, na Revolução de 30, um combustível à base de álcool e óleo de mamona foi utilizado em locomotivas e aviões pelos insurgentes paulistas. Durante a segunda guerra mundial, o biocombustível substituiu boa parte da gasolina consumida no país.
O verdadeiro impulso, entretanto, veio com a 1ª crise do petróleo, época na qual importávamos 70% do óleo consumido. Diante de um possível apagão energético, o Brasil resolveu estimular a produção e o uso do etanol – nascia o Proálcool. Um programa pioneiro no mundo, dada a sua magnitude, e que se tornou, até hoje, a melhor alternativa sustentável para substituir os combustíveis fósseis.
É certo que o programa passou por altos e baixos. Na década de 1980, era um sucesso, com 60% dos veículos vendidos eram movidos a álcool. Logo depois, com a queda dos preços do petróleo, interesse do mercado voltou-se para automóveis à gasolina e o biocombustível foi praticamente abandonado. O ressurgimento veio a partir de 2003, com a chegada da tecnologia flex e, principalmente, na esteira da discussão mundial a respeito das mudanças climáticas, que alterou o olhar sobre a política energética mundial.
Se antes, o importante era garantir um suprimento de energia em quantidade suficiente e a preços acessíveis, a discussão sobre o aquecimento global inseriu, nessa equação, a observância obrigatória dos impactos ambientais de cada fonte, de cada combustível, especialmente as emissões dos Gases de Efeito Estufa – GEE’s. E nesse contexto, o Etanol mostra o seu potencial.
Teste realizado pela Stellantis, em parceria com a Bosch, comparou 4 fontes distintas de energia utilizados por um automóvel em um percurso simulado de 240 quilômetros. Considerando o ciclo de vida completo do veículo, também conhecido como do “berço ao túmulo”, o carro à gasolina (E27) emitiu 60,64 kg CO2eq, enquanto o carro 100% elétrico carregado com energia europeia, 30,41 kg CO2eq.
O carro 100% a etanol emitiu 25,79 kg CO2eq, perdendo, nesse comparativo, apenas para um carro 100% elétrico alimentado com energia brasileira (21,45 kg CO2eq.), cuja matriz é reconhecida pela elevadíssima participação de fontes renováveis.
Essa redução pode ser ainda maior com a utilização do Etanol Celulósico, conhecido como de 2ª geração (E2G), produzido a partir de resíduos da produção, especialmente o bagaço da cana. Se o E1G reduz as emissões de GEE’s em 60% quando comparado à gasolina, o E2G é ainda mais limpo, reduzindo essas emissões para patamares acima de 90%. E tudo isso sem ocupar um único hectare a mais para o plantio.
Esse poder descarbonizante pode ser aproveitado ainda em outros modais de transporte. Obrigada a reduzir as emissões em 50% até 2050, a aviação civil aposta todas as suas fichas no Combustível Sustentável de Aviação, ou SAF (da sigla em inglês Sustainable Aviation Fuel) e uma das principais rotas de produção é a Alcohol-to-Jet, ou AtJ, que utiliza o biocombustível como matéria prima. O uso do SAF pode reduzir a pegada de carbono das operações aéreas entre 70% e 90% em comparação ao uso do querosene fóssil.
Na cadeia produtiva do Etanol ainda podem ser gerados o Biometano, que tem especial vocação para mitigar as emissões no setor de carga pesada e de equipamentos agrícolas; o Diesel Verde, um substituto drop-in do diesel fóssil; o combustível marítimo, ou biobunker; e, principalmente, o hidrogênio, considerado o vetor energético do futuro e que alimentará as células de combustíveis para além de 2050.
Não por acaso, países estão incluindo o Etanol em suas estratégias de combate às mudanças climáticas, como, por exemplo, a Índia, onde a percentagem do anidro na gasolina passará dos atuais 10% para 20% em 2024. Já são 60 os países que adotam mistura obrigatória nos combustíveis.
No Brasil, o aumento da mistura será feito de forma gradual, com previsibilidade e transparência, sempre precedido de avaliação técnica da qual participe a indústria automotiva, como o estudo que será conduzido pelo grupo de trabalho, criado pela Portaria nº 59/MME, para avaliar a viabilidade de aumentar dos atuais 27% para 30%. O principal é garantir segurança aos consumidores.
Arnaldo Jardim é Deputado federal e presidente da Frente Parlamentar da Economia Verde.