Temos claríssima retomada do crescimento econômico e gasolina mais cara com a desvalorização do real e sustentação dos preços do petróleo, aponta o professor
Na cana, segundo a UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), a primeira quinzena de novembro fechou com a produção de 1,3 bilhão de litros de etanol (873 milhões de hidratado e 427 de anidro), 19% a mais que a quinzena do ano passado. Desde 1° de abril, estamos 9% acima no hidratado (21,5 bilhões de litros) e 7,1% acima no anidro (9,4 bilhões de litros). Deve ser batido novo recorde de produção de etanol. Nesta quinzena, o mix foi de 71,73% para etanol, superando em quase 6% o do ano passado. Moeu-se 7,6% a menos de cana e, mesmo assim, na safra atingimos 562,7 milhões de toneladas, alta de 5,7% em relação ao ano passado.
Nas notícias das empresas, a Copersucar realizou investimentos de US$ 1 bi nos últimos 7 anos. A Usina Colorado conseguiu emitir R$ 200 milhões em certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs), que foram certificados na Climate Bonds Iniciative (CBI), ONG na área de sustentabilidade, mostrando mais uma abertura ao setor.
Novo relatório do Itaú BBA registrou aumento de 8,6% do endividamento do setor, sendo o segundo maior da história, atrás, apenas, de 2014/15. Preços baixos do açúcar, menos cana moída e valorização do dólar são as principais justificativas. Já o levantamento da Archer estimou para o final de outubro o endividamento em R$ 170,72 por tonelada de cana moída, crescimento anual de 7,6%. Má notícia para o setor, que precisa ser resolvida. O alento é que a taxa de juros está desabando no Brasil, o que alivia os montantes pagos.
No açúcar, a OIA (Organização Internacional do Açúcar) revisou a previsão de déficit na safra 2019/20 (iniciada em 1° de outubro) de 4,763 milhões de toneladas para 6,115 milhões de toneladas. E com viés de alta com expectativas de frustrações em China, Índia e Tailândia. Penso que o Brasil também pode contribuir tirando açúcar com os preços atuais da gasolina em reais. A produção mundial ficaria em 170,40 milhões de toneladas, ante previsão anterior de 171,98 milhões de toneladas. O consumo subiria 1,3% (2,3 milhões de toneladas) para 176,52 milhões de toneladas. Porém, estoques ainda são altos e a exportação deve ser a mesma. A relação do consumo e do estoque já é a menor desde 2016/17, estando próximo a 50% no final de 2019/20. Interessante ver que a organização crê que em 2020/21 vem outro déficit de 3,5 milhões de toneladas.
A alta do dólar (5,73% em novembro) contribuiu para aumentar as fixações de açúcar da safra 2020/21. Valores pularam de R$ 1.200 a R$ 1.400/tonelada. Pela consultoria FG/A a média de 21 anos de fixações é de R$ 1.307/t, equivale a um preço de R$ 2,26 o litro do etanol hidratado em Paulínia. O volume é 40% menor que o mesmo período do ano passado, de acordo com a Archer, com cerca de 3,3 milhões de toneladas já vendidas até o final de outubro (17% do total a ser exportado de 19,5 milhões). Deve aumentar agora. Pela FCStone pode ter chegado já a 35%.
Houve problema na produção de açúcar de beterraba nos EUA e é provável que se tenha que aumentar as importações. A Índia também vem tendo performance ruim nos dois primeiros meses da safra.
Archer estima que o Brasil deve fechar o ano exportando 17,4 milhões de toneladas de açúcar, 19% a menos, menor número desde 2004.
Novo ciclo se inicia no açúcar, assim que estoques foram consumidos, vem recuperação de preços. Tenho esperança de iniciarmos a safra 2020/21 em 1° de abril com preço entre 14 a 15 cents/libra peso.
No etanol e na energia, mais uma vez, a grande notícia vem do consumo. Em outubro, vendemos 10% a mais de hidratado que em setembro, 2,056 bilhões de litros praticamente o mesmo número de outubro de 2018 (ANP). As vendas de janeiro a outubro foram de 18,43 bilhões de litros, quase 20% acima dos valores do mesmo período de 2018. Chegou-se a 48,3% (hidratado e anidro convertido) do ciclo Otto. A UNICA ressalta foi que São Paulo teve a maior quantidade de etanol já vendida em um mês, com 1,076 bilhão de litros de hidratado.
O consumo de combustíveis no Brasil em outubro de 2019 subiu quase 6% em relação a outubro de 2018 (ANP). No acumulado do ano é de 3,6% o aumento. O preço atual da gasolina dá margens para o hidratado subir ainda mais.
Saiu a licença para a Millenium Bioenergy fazer uma usina de etanol de milho em Bonfim (RR), investimento de US$ 170 milhões. Usará praticamente 60 mil hectares e expandirá em futuro próximo para moer cana também. Os planos da empresa envolvem 8 usinas.
Archer acredita que o consumo de 2019 será de 53,79 bilhões de litros gasolina equivalente. E para 2020 pulará para cerca de 56,2 bilhões de litros. Isto levaria o etanol a 34,4 bilhões de litros (425 milhões de toneladas de cana). Adicionando-se nessa conta o consumo interno de açúcar mais as exportações, precisamos de 613 milhões de toneladas de cana a serem produzidas no Centro Sul. Déficit à vista.
Estamos importando cada vez mais etanol do Paraguai, quase 22 milhões de litros em outubro. Dados da Canaplan atestam existirem 14 usinas que moem pouco de mais de 6 milhões de toneladas em 110 mil hectares.
Finalizando… qual seria a minha estratégia com base nos fatos?
O que observar agora em dezembro: Praticamente acabou a cana e a moagem. Temos claríssima retomada do crescimento econômico e gasolina mais cara com a desvalorização do real e sustentação dos preços do petróleo. O consumo do hidratado vai continuar surpreendendo, trazendo os estoques a níveis bem preocupantes. O açúcar penso que começa gradualmente a subir, o hidratado com impostos nas usinas está R$ 2,42/l em SP. O valor do ATR deve crescer e creio que ainda pode terminar a safra em 0,633 (meu número algum tempo atrás aqui) e para a safra que vem, a cana disponível é quase a mesma quantidade, temos mais crescimento e estoques baixos. O que nos dá uma perspectiva de início bem melhor. Isto tudo depende da sustentação do preço do petróleo e nenhuma outra tragédia acontecer.
Marcos Fava Neves é Professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da FGV em São Paulo, especialista em planejamento estratégico do agronegócio.
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